ARQUEÓLOGOS ENCONTRAM RESTOS DE CIDADES ANTIGAS NA AMAZÔNIA

 


Arqueólogos encontram restos de cidades antigas na Amazônia

Um aglomerado de cidades antigas no leste do Equador foi mapeado com a tecnologia laser e décadas de pesquisa

 

Por 

Jesus Jiménez

 e 

Alan Yuhase

 Em The New York Times

24/01/2024 04h01  Atualizado há 2 semanas


O vale do Amazonas parecia com tantos outros, com um rio lamacento serpenteando através da floresta densa, exceto que este tinha montes de terra que se erguiam em ângulos retos e valas que esculpiam longas linhas no solo.

Nesta floresta tropical, dizem os arqueólogos, estão os ossos de extensas cidades antigas: terras aterradas que outrora foram estradas, canais, praças e plataformas para casas onde milhares de pessoas viveram durante séculos, muito antes de os europeus tentarem mapear a América do Sul.

 O aglomerado de cidades interligadas só foi recentemente mapeado no Vale Upano, no leste do Equador, informou este mês, na revista Science, uma equipe de investigação que trabalhou ao longo de décadas com tecnologia de mapeamento a laser e ajudou a revolucionar a arqueologia.

Com a tecnologia, chamada lidar, os investigadores conseguiram perfurar a cobertura florestal e mapear o solo abaixo dela, documentando cinco grandes assentamentos e 10 locais secundários em mais de 300 km quadrados — equivalente a um quarto do município do Rio de Janeiro.

A investigação por radiocarbono descobriu que as pessoas viveram lá de cerca de 500 a.C a cerca de 300 d.C e 600 d.C, o que tornaria os assentamentos alguns dos mais antigos já encontrados nas paisagens da Amazônia.

— É uma enorme contribuição para a arqueologia amazônica — disse José Iriarte, arqueólogo da Universidade de Exeter que não esteve envolvido na pesquisa.

Esta região, onde a Amazónia atinge a encosta oriental dos Andes, há muito que era considerada uma área “sem que realmente nada acontecesse lá”, disse ele. Agora, disse ele, “temos este grande e idiossincrático desenvolvimento cultural”.

Stéphen Rostain, pesquisador principal do estudo, disse estar impressionado com a complexidade das cidades e com a quantidade de trabalho necessária para construí-las.

As “estradas perfeitamente retas” que as ligavam eram um sinal da sofisticação das cidades, disse ele, acrescentando que teriam exigido engenheiros e trabalhadores, agricultores para fornecer alimentos e algum tipo de presidente, chefe ou rei para liderar “uma sociedade especializada e estratificada.”

Um complexo de plataformas retangulares de terra no sítio Nijiamanch, ao longo da borda do penhasco do rio Upano, no Equador — Foto: Stéphen Rostain/The New York Times
Um complexo de plataformas retangulares de terra no sítio Nijiamanch, ao longo da borda do penhasco do rio Upano, no Equador — Foto: Stéphen Rostain/The New York Times

A construção original foi feita por grupos da cultura Kilamope e, posteriormente, da cultura Upano, disseram os pesquisadores, acrescentando que povos da cultura Huapula viveram na área entre os anos 800 e 1200.

A equipe escavou artefatos, incluindo cerâmicas pintadas e jarras com restos da tradicional chicha, a bebida à base de milho que ainda hoje é um dos pilares da região dos Andes.

Embora os arqueólogos já saibam há muito tempo sobre trabalhos de aterramento na área, o lidar – que perfura a folhagem com pulsos de laser de aviões e ajudou a encontrar sítios maias escondidos e antigas cidades cambojanas – revelou a extensão dos assentamentos.

Eles eventualmente mapearam mais de 6 mil plataformas de terra, conectadas por estradas e dispostas em uma paisagem moldada para controlar a água e cultivar culturas. Os pesquisadores determinaram que alguns dos montes de terra eram plataformas residenciais e disseram no artigo que outros complexos maiores poderiam ter servido uma “função cívico-cerimonial”.

Particularmente impressionantes, disseram os arqueólogos, foram os sistemas de estradas e agricultura – como os povos antigos drenavam as fortes chuvas ao longo das encostas orientais dos Andes para aproveitar o solo vulcânico fértil.

– Isso realmente nos mostra que havia muito mais formas de vida na Amazônia no passado do que costumávamos considerar na arqueologia – disse Eduardo Neves, arqueólogo da Universidade de São Paulo que não fez parte da equipe.

Ele disse que a pesquisa contribuiu para a crescente evidência de que a Amazônia foi “densamente habitada por povos indígenas durante milênios, em assentamentos muito grandes”.

O novo artigo também se baseia em pesquisas que mostram até que ponto os povos antigos transformaram as suas paisagens, disseram os arqueólogos.

– Essa ideia de uma espécie de paisagem amazônica intocada definitivamente não era o caso – disse Jason Nesbitt, arqueólogo da Universidade de Tulane.

Essa noção de longa data, disseram os arqueólogos, foi alimentada em parte pela forma como a população indígena foi dizimada pela chegada dos europeus e pelas matérias-primas da Amazônia. Os povos antigos não tinham grandes quantidades de pedra para trabalhar, como os construtores de monumentos da Mesoamérica – sul do México e territórios da Guatemala –, ou do Peru, e em vez disso usavam o solo disponível.

As modificações agrícolas em partes da Amazônia, disse Simon Martin, antropólogo do Penn Museum, na Filadélfia, “há muito que aponta para grandes populações ali no passado”.

A Amazônia continua sendo “o único vasto local onde ainda podem existir maravilhas arqueológicas ocultas”, disse ele.

O Dr. Nesbitt acrescentou que, embora fosse difícil estimar a população de um assentamento antigo, a sugestão dos pesquisadores de que, a certa altura, cerca de 30 mil pessoas poderiam ter vivido no Vale Upano parecia razoável.

– É um momento muito emocionante para fazer arqueologia na Amazônia por causa do uso do lidar – acrescentou Neves. – Lugares que já eram conhecidos estão sendo reestudados e lugares que não eram conhecidos estão sendo mapeados pela primeira vez.

Os arqueólogos expressaram esperança de que mais escavações fossem feitas no vale e que o trabalho pudesse ajudar a responder muitas das questões pendentes sobre as pessoas que viviam lá, incluindo as suas crenças, o seu sistema de governo e que ligações podem ter com outras sociedades.

– Temos muito a aprender com o passado humano – disse o Dr. Rostain, acrescentando que a escala e a complexidade das cidades mostram que os seus habitantes eram mais do que “caçadores-recolectores perdidos na floresta tropical à procura de comida”.

Neves ainda acrescenta que a continuação da pesquisa poderia ajudar a proteger a Amazônia da ameaça do desmatamento.

– Parte da destruição se baseia na ideia de que a Amazônia nunca foi realmente povoada no passado, que nunca houve muitas pessoas lá, que está meio que disponível para ser conquistada – disse ele. – Acho que esse tipo de trabalho, a arqueologia em geral, e esse tipo de pesquisa, é muito importante porque contribui para as evidências de que a Amazônia não era um lugar vazio.


Fonte:https://oglobo.globo.com/mundo/epoca/noticia/2024/01/24/arqueologos-encontram-restos-de-cidades-antigas-na-amazonia.ghtml

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