Os dados estavam desde sempre lançados sobre estrelas lancinantes. Édipo desconhecia o jogo dos deuses no céu acaso. Pensava ser senhor de si ao de si fugir. Rumando diretamente para o desconhecido, encontra o presente dos deuses. É nesse nó que se dá o encontro entre os eus que se dizem de vários modos. Mas nenhum modo os diz. Édipo não sabia, apenas fugia de si como um condenado à maldição, sem perceber que a fuga o precipitaria ao infortúnio implacável, marcado por eras no céu do acaso e no lance de dados. Pura brincadeira dos deuses ao disporem os humanos na hora da cena. Desenrolar antecipado, por trás da cortina, lança o herói trágico às suas escolhas para que ele encontre o que ele é ao desatar os nós do passado na cena do presente. Édipo mata o pai e se casa com a mãe. Fura os olhos, não para se punir ou por se culpar, apenas não restava mais nada de bom para ver ao infeliz. A cegueira foi necessária ao herói de Tebas. O feio e o desarmônico fazem parte sempre do jogo artístico. O artista imita o ato criador do mundo. A tragédia dá o conhecimento metafísico entre o finito e o infinito. Mediante os infortúnios de Édipo, tem-se o conhecimento imediato da condição do mundo. Processo contínuo de criação e de destruição. O herói morre porque é finito, efêmero, impotente. A fragilidade cede ao tempo e comunga os horrores e as belezas da vida em uníssono. O espectador trágico se percebe finito e como parte do infinito. Assim é o mundo, e assim é a tragédia. A vida de Édipo é reprodução de nascimento e perecimento, vida e morte, criar e destruir como jogo heraclitiano, como o movimento do vir-a-ser introduzido pelo filósofo de Éfeso e compartilhado por Nietzsche em sua exposição da tragédia e da justificação do mundo como fenômeno estético. Encontramos essas palavras na resposta do daimon Sileno, companheiro de Dionísio, à indagação do rei Midas sobre o preferível para o homem. Nietzsche relata: "Estirpe miserável e efêmera, filha do acaso e do tormento! Por que me obrigas a dizer-te o que seria para ti mais salutar não ouvir? O melhor de tudo é para ti inatingível: não ter nascido, não ser, nada ser. Depois disso, porém, o melhor para ti é logo morrer".1
Decifra-me ou te devoro, disse a Esfinge a Édipo sem sombra de piedade. Ele a enfrentou de pronto, valendo-se da valentia tebana que o imbuía desde a infância. Filho de Laio e de Jocasta, Édipo perdeu-se por Corinto, com seus pés machucados, nas mãos de Pôlibo e Méropi. Teve uma infância alegre, sem sombra de dúvida. Mas ela cresceu com o tempo levando- -o de pronto ao oráculo. Diante da revelação do infortúnio, tremeu de temor e correu do seu destino para encontrá-lo inexoravelmente de modo avassalador, deixando-se devorar pelo caminho. Decifrou a Esfinge e começou a ser devorado aos poucos por ela, de modo lento, gradativo e contínuo. No princípio, o percurso, a luta, o infortúnio secreto no encontro de pai e filho selado pela morte de um protagonista. Com o beijo da morte, o caminho estava aberto para o encontro com a revelação temida. Caminhou pela floresta gélida, ornada pelas flores da insensatez, até deparar-se com a Esfinge em busca de um novo rumo.
Sófocles nos diz isso de outro modo por meio de Corifeu: "Vede bem, habitantes de Tebas, meus concidadãos! Este é Édipo, decifrador dos enigmas famosos; ele foi um senhor poderoso e por certo o invejastes em seus dias passados de prosperidade invulgar. Em que abismos de imensa desdita ele agora caiu! Sendo assim, até o dia fatal de cerrarmos os olhos não devemos dizer que um mortal foi feliz de verdade antes de ele cruzar as fronteiras da vida inconstante sem jamais ter provado o sabor de qualquer sofrimento!".2
De costas para os humanos, os deuses dançam, riem e se embriagam de êxtase e de entusiasmo, ao som da flauta de Pã, do girar do timão de Tique, da pose majestática de Zeus e da atipicidade dionisíaca, encerrados para sempre no horizonte da beleza imortal do Olimpo - com as raízes fincadas no Tártaro. Nietzsche explica o apolíneo e o dionisíaco como a oposição entre o arco e a lira, cuja conjunção resulta na produção artística. Toda a sua exposição remete ao aforismo de Heráclito que diz serem todas as coisas harmonizadas pelo acordo dos contrários. É esse acordo que encontramos no mito trágico quando se dá a "a representação simbólica da sabedoria dionisíaca por meios artísticos apolíneos"3 e ainda na tragédia "como um coro dionisíaco que uma e outra vez se descarrega em um mundo apolíneo de imagens".4 Em ambos os casos, a harmonia produtiva, enquanto resultante do movimento, advém da relação primordial de oposição e contrariedade que sela a relação dos deuses e explica o desenvolvimento da arte grega até seu apogeu com a Tragédia Ática. Eternamente, a face faz- -se e desfaz-se: O Eu Faz-se face oculta, depois Face faz-se culta, Faz-se face minha, Face faz-se eu, Faz-se face culta, Face faz-se desejo, Faz-se a face instinto animal, Na face faz-se Meu eu, Oculta a face, Faz-se eu e desfaz-se, Face a vós e aos nós do mundo. Termo completo e unissonante, cai a cortina para o fim de um ato e o início de outro.
1 NIETZSCHE, F. O nascimento da tragédia. Trad. J. Guinsburg. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1999
2 SÓFOCLES. A trilogia tebana. Trad. Mario Gama Cury, 15 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2009
3 NIETZSCHE, F. O nascimento da tragédia. Trad. J. Guinsburg. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1999
4 Idem
2 SÓFOCLES. A trilogia tebana. Trad. Mario Gama Cury, 15 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2009
3 NIETZSCHE, F. O nascimento da tragédia. Trad. J. Guinsburg. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1999
4 Idem
Fonte: Vânia Azeredo
Uol - FilosofiaCiênciaeVida
DECIFRA-ME OU DEVORO-TE! –
Conhece-Te a Ti Mesmo!
Segundo a lenda do enigma da Esfinge esta era a frase que a mesma proferia a todo viajante que dela se aproximava.
DECIFRA-ME OU DEVORO-TE!
Já li mais de um significado ou explicação sobre a mesma, mas como agora não lembro de nenhuma vou colocar aqui uma “ateniana” que se adequa ao propósito deste post.
Vamos transportar a frase para qualquer ser humano.
“Decifra-me ou devoro-te homem/mulher, eu sou teu eu interior. Teu verdadeiro eu. Sou teu subconsciente e inconsciente, teus sonhos e devaneios, tuas dúvidas e perplexidades, tuas crenças e valores, teus defeitos e qualidades, amores e ódios, desejos e aversões, fragilidades e fortalezas.
Se não me decifrares não crescerei em consciência, não evoluirei como ser porque o autoconhecimento é o primeiro passo e eu te devorarei ao transformar-te de ser humano livre e autônomo em mero joguete das Parcas, mera folha ao vento do destino.”
Quem não se conhece será sempre refém de suas emoções,
de suas desconhecidas crenças limitantes e de suas percepções distorcidas.
Quem não se conhece diz A quando queria ter dito B.
Tira conclusões equivocadas sobre si e sobre os outros já que é comandado pelas crenças que tem e desconhece que as têm.
Quem não se conhece tem maior chance de fazer escolhas não benéficas para si mesmo
e depois fica culpando fulano ou beltrana ou a má sorte.
Quem não se conhece terá mais chance de insucesso em seus relacionamentos, pois poderá ser manipulado pelo outro, poderá ficar carente de argumentos válidos numa discussão crucial, poderá ter sua auto-estima abalada por comentários equivocados ou maldosos do outro, etc.
Quem não se conhece mais facilmente entra em conflito com os demais.
Quem não se conhece se auto-engana a maior parte do tempo e disso podem vir conseqüências desastrosas tanto na vida pessoal quanto profissional.
Quem não se conhece pode ter uma vida ralada, medíocre e se achar o “rei/rainha do pedaço” ou, ao contrário, ser uma pessoa excepcional e se considerar um lixo.
Quem não se conhece pode ficar marcando passo, estagnado em alguma situação onde não vê saída porque desconhece o próprio potencial ou, ao contrário, pode dar o passo maior que a perna porque desconhece suas limitações.
Há muitos que não querem se conhecer.
A estes eu digo: são covardes!
Sim, porque autoconhecimento demanda coragem para vasculhar ou literalmente mergulhar em seu lado escuro: suas limitações, seus medos, seu lado desonesto, seu viés cruel, sua agressividade, sua raiva, sua covardia, enfim tudo aquilo que o ser humano apresenta como características bem humanas, mas que a sociedade e as religiões condenam.
Todos nós temos esse lado sombrio, ninguém escapa. Em alguns o lado sombrio é bem maior que o luminoso, mas na média da humanidade não o é. Ninguém é perfeito, ninguém é 100% “bonzinho”. Só os hipócritas pensam que o são e os ingênuos pensam que alguém assim existe.
Não tenha medo, quando a gente começa a mergulhar no nosso lado sombrio eu sei que começa um pânico, ansiedade e angústia, mas à medida que vamos analisando os porquês de sermos assim ou assado, vai ficando mais fácil a aceitação desse lado tão indesejável e muito do que encontramos de “negativo” já podemos ir mudando (se assim o quisermos) e nos tornando pessoas melhores e mais evoluídas.
Uma advertência: ao se aprofundar no seu lado sombrio,
jamais,jamais se julgue ou condene.
Não é dito que Deus nos aceita e ama como somos?
Então faça como Ele.
Quem não se conhece não pode se amar de verdade, pois só após conhecer cada canto obscuro seu, só após chegar ao âmago de sua menosvalia, será capaz de começar a dar valor a todo o brilho que tem a despeito de todo o obscuro que em si encontrou. Irá conscientizar que isso tudo que é – é simplesmente ser humano.
Nem pior nem melhor que todos os demais. Somente diferente em sua individualidade.
Via : Expansão de Consciência
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